Parti das águas que beijam meu berço,
Na bagagem, um diploma e um universo.
Acordei no cerrado, e ali, imerso,
Vi-me pintor de um novo e vasto fresco.
As árvores tortas, o céu amplo e aberto,
Contrastam com a folha em branco, meu deserto.
Como falar daqui, quando lá é meu aperto?
Escrevo, mas a tinta é um rio que corre incerto.
Ao almoço, feijão e arroz, sabor da rotina,
Mas o aroma distante vem do mar e da tina.
Em cada esquina, um pedaço de minha retina,
Nas entrelinhas, a saudade sempre se destina.
Os estudantes passam, jovens e alvoroçados,
A correria da cidade e os sonhos quebrados.
Eu, com meu livro aberto, olhos fechados,
Leio os velhos versos, hoje recontextualizados.
Neste meu novo lar, de cimento e concreto,
O poeta que fui encontra o poeta que sou.
Me reinvento nos versos, mas sempre secreto,
O eco do que já foi, e que em mim ainda ecoou.
Vivi a poesia dos outros, mas hoje, convicto,
Reescrevo minha vida na folha que não amarrota.
No cerrado ou na selva, sempre um eclético artista,
Nas asas da angústia, eu alço minha nota mais alta.