No canto do quarto, repousa um sapato,
pele gasta, sola fina, passo exato.
Já não brilha, não disputa, não se exibe,
mas guarda cada tropeço que o tempo prescreve e prescreve.
Sapato velho, mapa roto de partida,
pisa o pó, bebe a poça da avenida.
Sabe que a vida não é vitrine, é pavimento,
onde a dor aperta o peito e depura o pensamento.
Cada prego na sola é um ponto de interrogação,
cada furo no couro é um ponto de purificação.
O que aperta hoje o peito, ontem foi proteção,
o que pesa no pé, depura a percepção.
Sapato velho aceita o próprio aspecto sem protesto,
não compete, não compete, apenas segue reto.
Entende que o ápice é passo, não é posto,
é o trecho discreto entre o tropeço e o gosto.
No sapato gasto, o prático encontra o perfeito:
não é o brilho rápido, é o pacto com o defeito.
A vida é este pacto entre perda e persistência,
um trato tácito entre poeria e paciência.
Quem olha de perto vê costuras que se soltam,
mas são elas que sustentam os passos que se notam.
Por trás de cada ponto torto, um pedaço de verdade:
é o tempo quem adapta o pé à própria idade.
Sapato velho, mestre prático do espírito:
ensina que o impacto passa, mas fica o mérito.
Que o importante não é partir limpo, intacto,
é voltar com o peito aberto e o passo exato.
Assim sigo: peito posto, passo atento,
aceitando cada perda como parte do tempo.
Sou como o sapato que o mundo chama de gasto:
quanto mais o tempo aperta, mais perfeito fica o passo.
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