Migrei do rio que corta minhas terras
Para a cidade onde flores não são tão raras.
Deixei o velho chão, minha quilha, minhas serras,
Em busca do que dizem ser a vida cara a cara.
Pelas ruas de pedras e asfalto desgastado,
Um sentimento me envolve, insólito, desconhecido.
Aqui, não há mar, mas me sinto naufragado,
Na multidão alheia, por todos, por ninguém, ouvido.
Há flores por todos os lados, mas não no meu jardim,
O solo é árido, a chuva escassa, o cultivo negligente.
Caminho entre versos e reversos, em um tempo sem fim,
No espelho me olho, e vejo a face do ontem e do ausente.
Nas paredes do meu quarto, o relógio sem ponteiros,
Marca a hora da angústia, sempre presente, nunca exata.
E assim, faço dos meus dias, feiras e feirantes passageiros,
Na esperança de que a felicidade, por fim, se desata.
Este verso é a trama de linhas já costuradas,
Retalhos de outros panos, cores já vistas.
Mas o desenho é novo, e as palavras emprestadas
Fazem deste poeta, um mestre de antigas conquistas.
Nesta cidade das flores, com a angústia como guia,
Escrevo meu enredo, crio minha própria estória.
Sigo a trilha de velhos passos, ao fim do dia,
O poema está feito, é chegada a hora da memória.